Minha palavra é noite,
às vezes é lua cheia,
às vezes minguante
-quase nunca nova
 
WELIS COUTO - Cultura e Arte
 

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WELIS COUTO - Cultura e Arte
 

TRANSE

Welis Couto

 

Retiro de meu bolso, os últimos liames.
Alma em transe. Tempo por passar.
Em mim, faz-se o silêncio
que ecoa de sua alma.

Vai-se formando
frígido cadáver,
aves de rapina... sobrevoam...
garças esvoaçantes.
Condores andinos.

Aves de arribação
desatando os nós
entre nós.

Teu sorriso
escorrega-me por entre os dedos,
mãos que se des/entrelaçam.

Ainda ontem primaveravam
os acordes do coração
baticum – baticum – baticum.
Sonhos que se desvanecem um a um.

Alma guerreira.
Corpos se enroscam no ar
à procura da flecha certeira: - seu olhar.
Ah! Seus olhos fazem meu coração flutuar!

Voz que se fecha.
Silêncio!
Silencio.

Vento passa sussurrando
em trem de ferro
ainda – te – amo
ainda – te – amo
ainda –te – amo
            na curva que se desfaz...

Tempo de recomeçar!

HELENA
Welis Couto

Olha, Helena! Não nos amemos tanto assim.
Façamos como se um dia
conhecêramo-nos simplesmente.
Sentava, é bem verdade, à porta, na alvorada. Que dia!
Chamava-me para os teus braços - encantos e feitiçaria -,
de tanto amor, mal a via.

No entanto, não nos amemos demais,
nem se desfaça em carinhos.
Quero senti-la como se nunca houvesse acontecido
nada mais do que termos trocado puros olhares.

Assim, quando partir um dia - é sabido que vai partir -
mais leve ser-me-á sua lembrança.
E, se me colher à sorte, outro destino;
serei para você não mais do que o lembrar uma ausência,
porque nunca nos amamos mais do que devíamos.

E a vida ser-nos-á suave como a noite,
com as nossas lembranças partindo
a cada dia.

                      
 

PROCURA
                                               Welis Couto

 

Pelos estranhos caminhos da vida
Existirá sempre uma mulher querida
Loira, morena, ou até esperta mulata,
Que nos agita, e partindo, nos mata.

Entretanto, há sempre aquela que fica.
Com os olhos caídos, a alma estica
Em um longo arfar, de tudo despida.
O amor lhe chega em recheios de vida.

Se encontrares quiçá, renhida luta;
Sê forte, não de te cedas à labuta.
Aquela que te foge quando amada

Liberta para o que der e vier;
Mente. A alma maltrapilha a se esconder
É o amor que brota em seu conto de fada.


PASTOREIO
                                                           Welis Couto

 

Venha Helena, mirar-se nessa tarde.
Poderá sentar-se na cadeira de meus braços,
ou na relva, ao meu lado.
Façamos nada, enquanto os anus
pastoreiam o gado pela campina.
Lembremo-nos apenas, que temos esta tarde
e o tempo por passar.
Você nos meus braços
e eu nos seus braços.
O que é a vida sem esses abraços?

E quando, Helena, nos cansarmos
deitar-nos-emos ao largo
na sombra do jatobá,
sentiremos os nossos corpos
na grama macia
roçar o verde da calmaria.

Beijarei um resto de sol nos seus cabelos,
beijará um resto de sol nos meus cabelos.
O vento que sopra do leste nos dirá:
nunca, além, outra forma há,
somente os anus que pastoreiam o gado
na tarde que temos o tempo por passar.


VIAGEM
Welis Couto

Rolam as águas!
- Para onde?! -
Rola a vida.
Tua vida!
Teus cabelos,
teu corpo,
sobre as ondas.
Perdidos.
Rolam as águas
em tua vida.
Noutra vida
tua alma ressentida.
Rolam as águas,
Tua vida,
minha vida.
- Para onde?!
Perdidas

DESÍGNIOS
Welis Couto

Quero que ela venha lenta, suave;

quero-a sem receios

como se ela viesse para mim

de todos os meios

de todos os lados


QUANTO TE DIFICULTARA...
Welis Couto

Ah! Quanto te dificultara afeiçoar-te a mim,
aos meus sentimentos isolados e selvagens
às minhas loucuras gerais.
Ainda te vejo quando nem existias
e o quanto te amava!
Eras tão pura que só não me mentias;
eu te via passar todas as manhãs
colhendo flores agrestes para teu quarto de noivado,
que só para mim fora feito.
Tu não me foges! Ah, tu estás presente!
Ainda hoje, vejo-te compor teu vestido adelgaçado,
enquanto parto para o campo
e vou colhendo as amoras que encontro pelo caminho.
O dia espanta todas as assombrações que de noite
atracaram em minha alma triste e só.
Vou colhendo todas as amoras
e à tardinha, quando tudo com o sol se esconde,
trago-te a colheita do dia:
amoras do campo, espigas de milho rosadas, arroz em cacho
e o embornal cheio de beijos agrestes.
Tu terás o corpo perfumado do alecrim no forno em brasa
e até os lábios perfumados, terás.
Sentaremos ali, no meio da varanda.
O vento, que lá fora passa, vem levar
todas as sombras que em nós existiam.
Ficaremos assim, vendo o céu acender o seu luzeiro,
depois de deitar meus olhos aos teus
com o ver contraído de um roceiro.



VELHAS CARTAS
     Welis Couto

Velhas cartas que remexem
a desordem de uma vida;
embaralhando o passar dos corações.
Que, revividas, é novamente
abrir a ferida,
é mostrar aos olhos
a alma ressentida.
Velhos papéis em que se guarda
na memória
os dias idos, cobertos
de glória,
das noites setembrinas
no vai e vem dos olhares
o passear dos amantes
rebusca os passares.
Velhas cartas - papéis manchados de amor -
fazem recordar promessas antigas,
que a alma traz sempre às escondidas,
acabrunhada pelo silêncio da partida.
São papéis que ficam em nossas vitrines
rasgando-se nas dobras encardidas.
Lida e relida, sua história
é um pedaço rasgado
da nossa vida.