Topo.      
 
Minha palavra é noite,
às vezes é lua cheia,
às vezes minguante
-quase nunca nova
 
O CRONISTA

Welis Couto       

Ele para, pega o papel, dá uma olhadela pela janela entreaberta; busca auspícios nos céus . Nada. Senta - se diante do papel em branco, a caneta na mão e o pensamento vazio. Mil coisas lhe passaram pela cabeça, mas nenhuma lhe aprouvera.

É mister escrever logo algumas linhas. O jornal precisa sair, tem-se que fechar a edição. Ele antevê a cara furiosa do diretor, apontando para aquele espaço em branco da página que lhe fora reservada. Vê-lhe o semblante aborrecido, olhando para a porta, ou esperando tocar o telefone com notícias de sua crônica. Pensa em lhe telefonar, sugerindo a colocação de um anúncio na página que seria sua, ou mesmo uma publicidadezinha do próprio jornal...

No entanto, retoma o seu papel e seu ofício. Mas as ideias lhe fogem todas. Parece que não há de sair nem as piores frases de todas as que poderia ter escrito. Há dias em que o pensamento foge e todas as palavras, por encanto, desaparecem. Mas há uma função primordial: o jornal tem que sair.

Relembra todas as crônicas que escrevera e as que lera, em busca de algum ponto de partida para a sua. Quisera ter de você, Cecília, aquela "Ciclope" e todos os problemas estariam resolvidos. Por ela, pagaria, nessa hora crucial, bem mais que 100 cruzeiros.

Não há outra saída, senão escrever. Uma ideia lhe consola: "talvez nem seja lido". E as frases vão surgindo vagas e desconexas no papel. Nunca um artigo lhe saíra tão mal, porém há o compromisso da página vazia e é preciso enchê-la com o pior de tudo o que já escrevera.

Duas horas depois, ei-lo a ver o artigo prontinho. Respira aliviado e vê já o rosto descontraído do diretor, quando ele chegar com o seu trabalho.

Com o rascunho ao seu lado, resta sentar-se à máquina e passá-lo a limpo. Tira a capa de sua companheira, alisa-lhe, carinhosamente, as teclas e coloca o papel no carro. A máquina para, emperra, trava. Sua companheira de todas as horas volta a ser o bruto de antes. Por mais que tente, não adianta. A pequenina não quer trabalho - talvez reconhecesse que o artigo não fosse de agrado -. Não lhe adianta carinho. Nada. Parece cavalo novo quando empaca: estira o lombo, dobra o pescoço, empina a anca e explode a barrigueira.

Antes tivesse esquecido tudo e escrito uma carta para a Helena. Seria tudo mais fácil.

Diante dos fatos, decide enviar o artigo manuscrito, lançando um olhar para a caneta sobre a mesa. Ela falha, borra, mancha o papel. Levanta-se decidido a deixar tudo aquilo. Nada de escrever, nada de papéis, nada de tudo. E lança um olhar de desdém para a sua companheira.

A máquina bate - tique-taque - duas teclas, frouxamente, chamando-o de volta. O cronista retoma seu lugar, alisa o papel e recomeça o trabalho.

Gostaria de não ler o que escrevera. A máquina vai compondo tudo aquilo, como se não o quisesse fazer. Às vezes, esquece de dar o "tlim" no final do papel e a linha segue solta. Outras, em que mistura tudo, troca as letras de lugar, salta os espaços, numa desobediência sem fim. E quando dá para escrever o que a gente não quer? "Querida, mando-te um beijo" - Êpa! Aí sai tudo certinho, tudo bonitinho. Nada de linhas tortas, ou de dar meio espaço, estragando todo o artigo. Então, querendo acabar logo, ela dá um longo espaço, deixando a linha em branco, no melhor que o leitor poderia ter. O cronista, furioso, revolta, pensa em lhe bater, quebrar suas teclas e grita-lhe: "melhor seria não tivesse escrito esta por..."

A máquina para e emperra de não ter mais jeito.