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Minha palavra é noite,
às vezes é lua cheia,
às vezes minguante
-quase nunca nova
 
 

                                                          GERAÇÕES

Welis Couto

       Eu sou de uma geração que tinha vontades de ter vontade. Uma geração que nasceu ouvindo Elvis Presley, The Beatles e a Jovem Guarda. Cresceu ouvindo Bossa Nova, Tropicália e Frank Sinatra, enquanto lia José de Alencar, Joaquim Manoel de Macedo, José Lins do Rego e muitos outros.


       Uma geração que tinha vontade de comer a melhor parte do frango, mas que se resignava com asinhas e costelas, enquanto sentava-se à mesa e aguardava os mais velhos se servirem da coxa e sobrecoxa. Eu sou dessa turma que tinha muitas vontades! De sair sozinho à noite, mas ouvia o pai dizer que era perigoso. E respeitava. Que queria votar para presidente e não podia, porque o País era governado pelas mãos de ferro do regime ditatorial. Mas, era uma geração que tinha esperança. Que aguardaria a sua vez…

       Uma época de rebeldia onde se ouvia falar de Woodstock e o máximo que se permitia era usar uma calça Lee. Uma geração que tinha vontades. Mas a única vontade permitida era ter vontade de ter a mesma vontade do governante… porque outras vontades eram ensacadas e jogadas em alto mar para perderem a vontade.

       Eu sou dessa geração que sabia que chegaria a sua vez de ter vontade própria, de comer a melhor parte do frango e ocupar o melhor espaço da casa. Assim, passado tanto tempo, eu me mudei para o 8º andar de um belo apartamento com vista para o lago; mas, o meu quarto está de frente para a sacada do vizinho. O meu filho mais velho trabalha em uma multinacional e precisa relaxar no quarto com vista para o lago e se recuperar para enfrentar os desgastantes dias na empresa.

       Eu sou daquela geração e hoje posso ouvir MPB em meu fone de ouvido enquanto minha filha, que fez 08 anos no mês passado, ouve funk na sala, em um aparelho com 2.000 watts de potência. Mas, eu ainda posso vestir minha jaqueta Lee, 1980, com assinatura de Bob Dylan nas costas e ir para o Greem Moove Festival e, cheio de saudade, constatar a falta de um botão e um furo na manga provocado por um cigarro. Algo tão comum naquela época em que a única coisa que se fumava em público era cigarro Continental e, os mais afortunados, Hollywood ou Carlton.

       Eu sou de uma época em que se tinha vontades! E esperança… Ao menos, hoje eu posso sair e tomar uma cerveja com os amigos que ainda me restam. Poderia! Se o meu segundo filho não tivesse pegado o meu carro para namorar a Lidiane. Doce Lidiane que me abraça pelo pescoço e me beija o rosto sem constrangimento de minhas rugas…

       Eu sou dessa geração do século passado. Ao menos, perto de completar 70 anos eu posso sair com a família e assumir o comando. Domingo. Reúno todos e vamos passear pelo parque, pelas ruas, pelas praças, para qualquer lugar. Assumo a condução e aciono o comando de voz no carro autômato que meus filhos me fizeram comprar. Eles acham que já não sou capaz de assumir a direção de um carro comum nesses tempos modernos. De guiar minha vida.

       Eu sou de uma geração que tinha vontades de ter vontade. E hoje eu posso dar ordens para o meu carro levar-me para qualquer lugar. Desde, é claro, que não ultrapasse os limites da cidade, que é o circuito programado pelos meus filhos no computador de bordo. Eles têm medo de que algo ruim me aconteça...

       Eu sou de uma geração que tinha vontades e somente podia ficar na janela olhando a vida passar.

       Eu sou de uma geração que teve vontades... Muitas vontades!

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